Nova lei da Greve

 
A nova lei da greve: equilíbrio ou retrocesso dos direitos laborais?
 
 
O XXV Governo Constitucional anunciou a intenção de reformular a legislação laboral, com especial atenção na “lei da greve” e na “organização do tempo de trabalho”.
Sob o pretexto de garantir maior equilíbrio entre direitos e atenuar a rigidez do sistema, o Executivo propõe alterações que, na prática, “fragilizam o direito à greve e desregulam o horário de trabalho”, pilares fundamentais das relações laborais em Portugal.
Segundo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, o objetivo é garantir que “em todas as ocasiões haja serviços mínimos” para proteger o direito ao trabalho, à mobilidade e ao acesso a serviços públicos. No entanto, esta proposta colide com o artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito à greve como um direito fundamental, cabendo aos trabalhadores definir os interesses a defender:
“É garantido o direito à greve. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve.” — CRP, art. 57.º
A imposição de serviços mínimos generalizados, mesmo em setores onde não são legalmente exigíveis, transforma a exceção em regra e esvazia o impacto da greve como instrumento de pressão legítima. Esta medida representa, na prática, um reforço do desequilíbrio de poderes entre trabalhadores e empregadores, num contexto em que os primeiros já enfrentam precariedade, baixos salários e desrespeito pelas normas laborais.
O segundo eixo da proposta governamental visa a flexibilização dos horários de trabalho e do teletrabalho, permitindo transições “temporárias” entre regimes e ajustamentos salariais proporcionais.
Esta medida, apresentada como promotora do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, abre caminho à adaptabilidade total do horário laboral, sem garantias de previsibilidade, descanso ou compensação adequada.
Recorde-se que o horário de trabalho é uma conquista histórica, obtida através de greves e lutas sindicais desde o início do século XX. A sua diluição ameaça o equilíbrio entre vida profissional e familiar e desvaloriza o tempo de descanso como direito humano e social.
O reconhecimento do direito à greve remonta à I República, com o Decreto de 1910, que, embora o consagrasse, também legitimava o lock-out patronal e o uso da força contra os trabalhadores. Só com os marcos legislativos de 1974, 1976 e 1977 — após o 25 de Abril — se consolidou o direito à greve como o conhecemos hoje.
A proposta atual, ao invocar a “modernização” e a “proporcionalidade entre direitos”, retoma uma lógica de contenção e repressão, disfarçada de equilíbrio institucional.
A história mostra-nos que os direitos laborais não foram oferecidos, foram conquistados. E se hoje são postos em causa, cabe-nos defendê-los com a mesma determinação.
É comum ouvir críticas aos efeitos das greves, inclusive por parte de trabalhadores, muitas vezes influenciados pelo discurso alarmista de setores patronais. No entanto, são frequentemente os próprios empregadores e o Estado que fomentam os conflitos laborais, ao incumprirem a lei, recusarem negociações e imporem condições indignas.
A preocupação com os prejuízos das greves não pode servir de pretexto para retirar aos trabalhadores o seu único instrumento de luta coletiva.
A saúde económica das empresas deve ser assegurada com base em justiça social, salários dignos e condições estruturais adequadas, e não à custa da exploração.
As reformas legislativas são bem-vindas quando promovem progresso. Mas quando surgem camufladas sob o disfarce de equilíbrio, com propostas que limitam o direito à greve e impõem horários adaptáveis sem salvaguardas, estamos perante um retrocesso social disfarçado de modernização.
É urgente que os trabalhadores, sindicatos e a sociedade civil estejam atentos e mobilizados. Porque defender o direito à greve é defender a democracia no local de trabalho.
 
 
Gorete Pimentel
 
 
 
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