Há datas que vão ficar tatuadas na minha memória.
Dezassete de Setembro de 2024, o dia em que sem dó nem piedade a vida me tirou o tapete. O dia em que num exame de rotina a médica diz “tem 2 nódulos suspeitos que têm de ser estudados com urgência”. Foram oito dias de espera com muito choro, medo e ansiedade e depois o Knock-out “Cancro de mama triplo negativo”.
Nestas situações, ser profissional de saúde não ajuda porque, talvez fruto daquilo que presenciei ao longo dos 25 anos de profissão, na minha cabeça só havia espaço para os piores cenários. Felizmente o meu lado racional rapidamente aniquilou a fase do “porquê eu?” ou “o que é que eu fiz de errado?” e recordou-me que só tenho 47 anos e duas filhas ainda muito pequenas. Obrigou-me a despir a farda azul, arrumar o medo, o pânico e a ansiedade e o único foco foi saber onde tinha de estar, a que horas e tudo o que tinha de fazer para que esta pedra no meu sapato fosse mais uma história para um dia contar aos meus netos.
Escusado será dizer que os cinco meses de quimioterapia foram uma verdadeira montanha-russa de sofrimento. Nos dias a seguir ao ciclo eu praticamente deixava de existir e coisas básicas como tomar um banho ou ir ao wc era mais exigente que correr uma maratona. Sempre fui uma pessoa de fé, mas havia dias que até para rezar me faltavam as forças.
A todos que estão a passar por este processo ou que ainda vão começar só vos consigo dizer que aprendam a respeitar o vosso corpo, rodeie-se dos que vos amam, da vossa rede de apoio e acima de tudo não finjam que está tudo bem, não tenham receio de dizer “não consigo” ou “eu preciso de ajuda”. Os super-herois só existem na banda desenhada e nós não somos nenhum guerreiro porque o resultado não depende apenas de nós.
Seguiu-se a cirurgia, depois a radioterapia e enquanto fui passando por todas estas fases foi como se o foco na meta me servisse de combustível e sentia-me viver carregada de adrenalina.
Durante estes nove meses tentei não colocar a minha vida em pausa o que nem sempre foi possível porque os tratamentos e os seus efeitos secundários faziam questão de me lembrar que passar por uma doença oncológica não é um passeio no parque.
Quando todo o processo terminou e eu achava que ia voltar à minha “vida normal” surge o segundo balde de água fria. A pessoa de antes já não existe, as dores articulares não foram embora, o cansaço faz questão de marcar presença e as parestesias nas mãos surgem várias vezes ao longo do dia a reforçar que a vida como a conheci mudou, que já não sou capaz de fazer as coisas ao mesmo ritmo que fazia antes. Se por um lado isso dói e gera frustração, por outro, o meu lado racional, lembra que é preciso arranjar mecanismos para lidar com esta nova condição física porque o mais importante é estar junto dos meus.
E quando chega a consulta em que o médico diz que está na hora de retomar a atividade profissional, a ansiedade volta e são mais as dúvidas que as certezas. Sendo eu profissional de saúde pergunto-me se haverá empatia e compreensão por parte dos colegas de trabalho e dos superiores hierárquicos para mudar de local de trabalho e adaptar as funções à situação de saúde da pessoa que passou por um processo de doença oncológica.
O cancro não me mudou apenas me lembrou do meu valor e da minha força. É um processo longo, duro e penoso, que ainda não terminou, mas eu acredito que estes efeitos secundários vão passar porque ainda há muita vida para viver.
Não se esqueçam: NINGUÉM ESCOLHE TER CANCRO.
Enfermeira Orlanda Chapouto
Sempre Juntos

